Texto da leitora: cinco atos


tudo girou. foi só te ver e tudo girou. continuou girando por um tempo e, de repente, a realidade que eu sempre conheci parecia dar nós com várias outras que eu nunca havia tido contato. continuava sem ter, embora as visse nitidamente, enrolando-se umas com as outras, criando uma verdadeira bagunça na minha frente. eu sabia que aquilo não estava acontecendo de forma compartilhada, mas a minha cabeça caprichou tanto nessa sensação que, por alguns segundos, pensei que tu poderias estar vendo aquilo também.

tudo girou. foi só te ouvir falar e tudo girou. e ziguezagueou. e balançou. e desmoronou e se reconstituiu diversas vezes, cada vez gerando um resultado mais bonito. foi uma cena que parecia refletir a melodia que saía de ti. a firmeza do teu timbre não diminuía a doçura com que o som chegava a todos que te ouviam tão atentamente no caminhar da tua narrativa. cada mudança de entonação era percebida com leveza e cada palavra era verdade absoluta. tu poderias levar qualquer um a qualquer lugar e fazê-lo sentir qualquer coisa só pela tua voz.
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tudo girou. foi só te beijar e tudo girou. senti uma embriaguez tomar conta do meu corpo que certamente tinha alguma relação com os vários copos de cerveja que tomamos enquanto criávamos possíveis diálogos entre as pessoas ao nosso redor, mas que era mais que isso. vinha do teu gosto. tu tinhas um sabor que não existia em nada além da tua boca e eu poderia sentí-lo eternamente, sem nunca enjoar. achei que o ar acabaria e se consegui continuar respirando foi por um instinto de sobrevivência que não se deu pela natureza humana, mas pelo desejo de continuar ali.
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tudo girou. foi só te sentir e tudo girou. cada parte do meu corpo, interna e externamente, parecia dançar em movimentos soltos e dessincronizados. cada ponto da minha pele parecia queimar e borbulhar a cada toque. cada arrepio parecia me teletransportar para outra dimensão, muito mais iluminada e aberta do que aquele quarto abafado e escuro. o tempo havia parado, ou anos haviam passado, eu não sei dizer. tu, ofegante, se movia com mais graça do que a que observamos em apresentações de ballet clássico, e eu estava - ou me senti - tão bela quanto o mar com ondas violentas. misturar nosso gozo foi como descobrir universos desconhecidos onde aquele momento era único e infinito - e como eu queria que fosse.
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tudo girou. foi só te ver partir e tudo girou. logo parou. nada mais se mexia. ser cortada por milhares de canivetes doeria menos. ter um prédio sobre a minha cabeça não pesaria tanto. não consegui me manter em pé, parar de chorar ou engolir qualquer alimento por dias. não consegui sair de casa, sorrir ou conversar por meses. as lembranças estavam ficando mais e mais distantes e comecei a questionar minha sanidade - que já não estava muito boa depois de tanto remédio que descia com bebida. dormir era bom pois conseguia te ver, e foi o que mais fiz desde então. é muito difícil aceitar que a vida acaba para quem a gente quer que exista pra sempre. mas acaba. tudo acaba. acabou.

Texto escrito por: Ana Clara
Facebook: Ana Clara 

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